No 90 - Ano VIII - Junho de 2003


Tango Milongueiro

É difícil fazer o fácil. Muitos detratores do tango milongueiro expressam que bailar este estilo é fácil, basta "que se abracem bem, e pronto".  Esta afirmação não é correta. Nosso baile, com a essência do tango, é justamente belo porque busca nas pequenas coisas sua finalidade.  Encontrá-las não é tarefa simples.  Admiramos quem, com poucas palavras, pode ser expressivo; quem com poucos gestos demonstra seu valor.

As pessoas que têm equilíbrio, no sentido amplo da palavra, são respeitadas, valorizadas, dignas de serem imitadas. Como um fiel reflexo da vida, o milongueiro encontra na sua parceira o motivo de seu baile. Não baila para a platéia, baila para sua companheira.  Busca a felicidade. Essa harmonia, sem ter sido proposta, é bela aos olhos dos demais. A vida atual, cheia de exigências e urgências, não permite valorizar o encanto das pequenas coisas.  Deter-se e desfrutá-las é virtude do ser humano.   Em todas as atividades, destacam-se aqueles que fazem as coisas de maneira simples. É o poder da síntese.   O baile milongueiro é assim, o antiherói, de perfil discreto, sintético.  Precisamente aí está o seu valor.  O verdadeiramente difícil é fazer o fácil.

Transportando esses conceitos ao tango, devemos ir em busca da simplificação do movimento, fazê-lo cômodo e simples, para realmente encontrar um valor agregado ao prazer de nosso baile.  De que valem aqueles dançarinos que, arrastando sua companheira, a obrigam a exigências desnecessárias? Simplificar o baile é o importante.  Aí está o segredo.  E a busca do prazer.  No tango, não serve aprender figuras sem um sentido.  Não serve aprender o fácil para ir logo a uma pista e bailar difícil. O válido é aprender os movimentos do corpo. 

Estas linhas não pretendem estimular polêmicas.  Simplesmente tentam explicar onde está a verdadeira magnitude do tango milongueiro. 

RAUL CABRAL, argentino, é professor de tango em Buenos Aires (trad. Vera Li para o Jornal Dance/SP) 

 

Cantemos

 (Tango – 1942)         

 Música:  Homero Expósito                                             Letra:   Domingo S. Federico

Late un corazón... dejalo latir...

Miente mi soñar... dejame mentir.

Late un corazón porque he de verte nuevamente;

miente mi soñar porque regresas lentamente.

Late un corazón...

me parece verte regresar con el adiós.

Y al volver, gritarás tu horror... El ayer, el dolor, la nostalgia...

Pero al fin, bajarás la voz y atarás tu ansiedad de distancias.

Y sabrás porque late un corazón al decir: que feliz...

Y un compás, y un compás de amor, unirá para siempre el adiós.

Ya verás, amor, que feliz serás...

Oyes el compás?  Es el corazón...

Ya verás que dulces son las horas del regreso,

ya verás que dulces los reproches y los besos.

Ya verás, amor... que felices horas

al compás del corazón. 

 

Assim se tece a história

 Bandoneonista, maestro, compositor e professor, este inesquecível músico e genial melodista radicado há muitos anos na cidade de Rosario, província de Santa Fe, era na verdade um portenho nascido no bairro de Palermo Viejo em 4 de junho de 1916.  Aprendeu violino com seu pai,  logo depois o piano e mais adiante o solfejo.  Mais tarde seu pai compra um bandoneón e começa a estudá-lo sob o olhar atento do filho. Repete-se a história do violino.  O bandoneón o atrai definitivamente e além das aulas que recebia do pai, compra livros de método para seu aprendizado.  Novamente em Buenos Aires, começa o curso secundário e continua estudando o bandoneón por sua conta com grande perseverança.  Já na faculdade de medicina, decide aperfeiçoar-se no conservatório de Pedro Maffia e Sebastián Piana. 

Aos dezesseis anos, junto com sua irmã Nélida, a quem havia iniciado musicalmente, formou o dueto Federico para tocar nos palcos do centro, em diversas rádios de Buenos Aires e em alguma outra turnê pelo interior do país.  O entusiasmo pelo tango e a boa aceitação pelo público fizeram com que abandonasse seus estudos universitários para dedicar-se inteiramente à música.  Começa a compor e escrever seus próprios temas, converte-se num bom arranjador e forma uma orquestra de moças, onde sua irmã tinha papel de destaque.  Algum tempo depois, passa a integrar a formação de Scarpino, mais tarde a orquestra de Juan Canaro, para finalmente culminar, em 1941, na orquestra de Miguel Caló, onde estreou com seu “Al compás del corazón”.

De 1941 é também "Yo soy el tango", com letra de Homero Expósito.  Em 1943 se separa de Caló para formar sua própria orquestra, com a qual debuta com sucesso.  Sua obra de exímio compositor não pára, e assim vão surgindo de sua notável inspiração verdadeiras jóias do gênero:  "Yuyo verde", "A bailar", "Tristezas de la calle Corrientes", "Percal", "Con el mayor gusto", "Déjame volver para mi pueblo", "Futuro", "La noche y marfil", "Tropical", "Cosas del amor", "Para usted, amigo" e em sua última etapa: "Fueye azul", "Tango íntimo", "En la calle", "Dibujos", "A María Rosa", "Muy suave", "Pachito", "Un cigarrillo muerto", "Memorias", entre outros.

Mais tarde, radicou-se definitivamente na cidade de Rosario, onde se casou e formou nova orquestra com músicos e cantores locais.  Atuou também no rádio, na tevê e gravou nos selos Victor, Embassy e Rosafon, além de animar bailes.  Antes de sua última experiência em orquestra fez turnês pela Argentina e países latino-americanos, além de recitais no Japão, primeiro como bandoneonista da orquestra de Francisco Canaro em 1961 e depois à frente do quinteto "A lo Pirincho".  Em Rosario entrega-se à sua vocação docente na Universidade e dirige uma orquestra formada por seus alunos. Domingo Federico faleceu em 6 de abril de 2000.   Foi um grande entre os criadores do tango e sua obra é de tal qualidade que muitas composições suas converteram-se em genuínos clássicos do gênero.

Fonte:  Todo Tango  (por Ricardo García Blaya) – trad. RM