No 174 - Ano XIV - Julho de 2010


Laure Quiquempois e Marco Salomão - 1º lugar em Tango de Salão no 2º Brasil Tango Championship (2010)

 

 

(...) Imagine-se ouvindo um dos sons mais deliciosos de sua vida. Agora imagine um abraço forte, intenso, porém suave, envolvente. Nada de tensões. Articulações, músculos, respiração e alma totalmente relaxados.

Sinta os pés em contato com o chão. Acaricie-o com cuidado. Não pense em já fazer firula. Apenas sinta. Agora vá junto com a música como se ela fosse o mar e você, o barco. Vá, deixe a música conduzir. Não é você quem conduz, seja mulher ou homem.

Tenha humildade. Não tente controlar a dança, deixe ela acontecer como deve ser, pise onde tiver que pisar, não force. E de forma alguma cutuque, aperte demasiadamente ou pare de respirar. Depois de um tempo deixando ser, você vai experimentar o êxtase. Vai entrar no verdadeiro labirinto do fauno e de lá não quererá sair.

Pronto, você dançou o verdadeiro tango, não mais o argentino, mas o universal. (...)

 

Flavia Valente (mestra de tango e blogueira)

Cantemos

(Tango - 1943)

Letra: Enrique Cadícamo                                                                                                                                      Música: Aníbal Troilo 

¡Qué noche llena de hastío y de frío!

El viento trae un extraño lamento.

¡Parece un pozo de sombras la noche

y yo en la sombra camino muy lento.!

Mientras tanto la garúa se acentúa con sus púas en mi corazón...

 

En esta noche tan fría y tan mía

piensando siempre en lo mismo me abismo

y aunque yo quiera arrancarla, desecharla y olvidarla la recuerdo más.

 

¡Garúa!

Solo y triste por la acera va este corazón transido con tristeza de tapera.

Sintiendo tu hielo, porque aquella, con su olvido, hoy le ha abierto una gotera.

¡Perdido! 

Como un duende que en la sombra más la busca y más la nombra... 

Garúa... tristeza...  ¡Hasta el cielo se ha puesto a llorar!

Orquestra de Anibal Troilo, canta Francisco Fiorentino

 

Assim se tece a história

 

Cantor e bandoneonista, nascido em 23 de setembro de 1905, foi sem dúvida o arquétipo do "cantor da orquestra", conceito que descreve sinteticamente a principal característica do tango dos anos quarenta, onde o cantor era um integrante da formação, do mesmo modo que os músicos.

Fiorentino e Troilo formaram uma engrenagem perfeita, onde a orquestra era realçada por uma longa introdução para logo emitir um sinal adequado e necessário para que o cantor se destacasseNão foi um virtuoso, sua voz era peque e sua dicção confusa, mas essas duas características técnicas não impediram seu sucesso impressionante.  São antológicas suas interpretações dos tangos Gricel, Garúa e De barro, do vals Tu diagnóstico e da milonga Mano brava.  Sua personalidade, seu bom gosto e a regência permanente de "Pichuco" resultaram num cantor intimista, de grande calidez interpretativa que soube comover seu público, convertendo-se numa estrela na história dos vocalistas de tango.  Sua vida artística junto a Troilo durou seis anos, começando em primeiro de julho de 1937 no cabaré Marabú e se desvinculou em março de 1944.

Apesar de sua curta vida, sua trajetória na música foi extensa e mutante.  Começou tocando bandoneón.  Suas primeiras apresentações foram em conjuntos que integrava com seu irmão Vicente, violinista, atuando em cinemas e cafés por todo o país, ao mesmo tempo que começa a cantar como solista em algumas emissoras de rádio e em outros palcos portenhos.  Em 1928 surge uma grande oportunidade de ingressar como bandoneonista na orquestra de Francisco Canaro, que percebe as qualidades de Fiorentino deixando-o atuar em algumas ocasiões como estribilhista.  A partir de então continua nessa dupla função de bandoneonista e estribilhista integrando numerosas orquestras:  J.C. Cobián, Roberto Firpo, Pedro Maffia, Juan D'Arienzo, e colaborando em gravações e apresentações radiofônicas.  Em 1934, como estribilhista na orquestra de Roberto Zerrillo, aconteceu de cantar um tango inteiro.  Aí deu-se o fim da "era dos estribilhistas" para dar passagem à nova etapa dos "cantores de orquestra".  Após sua etapa com Troilo, apogeu de sua carreira, Fiorentino formou sua própria orquestra, que foi dirigida por Astor Piazzolla, com a qual, apesar de gravar 22 músicas, não obteve os resultados esperados.  Nem sempre o sucesso com o público foi determinante para estabelecer o nível de qualidade do produto artístico.  O duo Fiorentino-Piazzola foi vanguarda para sua época, e nesta primeira experiência em regência orquestral, Astor já prenunciava sua proposta renovadora junto a um "Fiore" maduro e inteiro.

O declínio foi lento porém inevitável.  Passaram mais de dez anos de seu começo com Troilo e o fim dos anos quarenta o encontra perambulando em muitas orquestras importantes, como as de José Basso e Alberto Mancione, entre outras, mas já sem a ressonância de antigamente e deixando algumas gravações em disco.  Finalmente viaja ao Uruguai em 1951 para incorporar-se ao conjunto do pianista José Adolfo Puglia e ao bandoneonista Edgardo Pedroza e com eles realizou suas três últimas gravações em novembro desse ano.  Morre em 11 de setembro de 1955 devido a um acidente na província de Mendoza, a mil quilômetros de Buenos Aires.

Fonte:  Ricardo Garcia Blaya para Todo Tango – trad. RM