No 91 - Ano VIII - Julho de 2003
Prof. Valdeci de Souza e Cristina Ramos |
O
"Canyengue" e o "Choro" Em finais de 1800, o canyengue,
ou essência pura do
tango, surgia nas calles da
periferia de Buenos Aires, caindo no gosto popular. Cañengue
significa caminhar cadenciado, um bai-lar pitoresco de corpos
quebrados e sensuais, movimentos cortados e mar-cados. Assim como foi
conquistando corações argentinos e europeus, o tango eclodiu também no
Brasil, mas com roupagem brejeira, aproximando o ritmo portenho do samba.
Nascia, então, o "choro" ou "chorinho", o chamado
"tanguito", através de Ernesto Nazareth e que, com seu primeiro
sucesso, "Odeon", marcaria contraposição à tragicidade do tango argentino, com
suas tiradas irônicas e, inclusive, temas ale-gres, alcançando
notoriedade nacional através das composições de Chiquinha Gonzaga e
Catulo da Paixão Cearense. Tango canyengue
e "chorinho" aproximam-se no seu jeito mais descon-traído em
relação ao tango evoluído para o compasso 2 x 4, límpido e clássico.
Seguem seus rumos nos salões da cidade, nos passos de bailarinos ágeis e
entregues a cada ritmo, garantindo o brilho e man-tendo a artimanha de
percorrer, ano após ano, reunindo adeptos que querem apren-der a bailar
estes dois ritmos marcantes de próxima similaridade e distintos em suas
personalidades.
Regina
Sant’Anna |
Cantemos |
Música: Ernesto Nazareth Letra: Vinícius de Moraes |
|
Ai, quem me dera o
meu chorinho |
Ah, quem diria que um dia chorinho meu, Você
viria com a graça que o amor lhe deu |
Assim se tece a história |
(20/03/1863-04/02/1934)
Músico de formação erudita, o máximo que
se permitiu durante muito tempo foi classificar suas músicas como "tangos
brasileiros", uma vez que o tango argentino e a polca eram as danças de
salão da moda à época (década de 1880). Nazareth trabalhou e criou fama como
pianista da sala de espera do cinema Odeon, para o qual compôs o tango
"Odeon", uma de suas peças mais célebres, que ganhou uma popular
transcrição para violão. Vários músicos de outros estados e países, quando
visitavam o Rio de Janeiro iam ao Odeon para ouvir o seu pianista. No início da
década de 20 empregou-se na Casa Carlos Gomes como demonstrador de músicas.
Numa época ainda anterior ao rádio e com a indústria fonográfica incipiente,
a única maneira de se conhecer as músicas era tocando. Sua função era tocar
as partituras para que o cliente escolhesse qual levaria. Entre as partituras à
venda constavam suas próprias composições.
Segundo os biógrafos, Nazareth era muito
exigente com as pessoas que iam "experimentar" suas músicas, e freqüentemente
mandava o possível comprador parar a execução. Se apresentou em diversas
cidades do Brasil com êxito, mas no final da década de 20 já começava a dar
sinais da surdez que se intensificou no fim de sua vida. Os abalos que sofreu
com as mortes de sua filha e da esposa contribuíram para a deterioração de
seu estado mental, sendo internado em 1933, morrendo no ano seguinte. Uma das
primeiras composições que classifica como "choro" é a famosa
"Apanhei-te Cavaquinho", um clássico nas rodas de choro, tocada em
diversas formações instrumentais. Seu repertório para piano faz parte dos
programas de ensino tanto do estilo erudito quanto popular, uma vez que Nazareth
foi uma figura que atuou no limite entre esses dois universos. Vários discos
com sua obra foram gravados desde a sua morte, além de biografias e até um
CD-Rom, com dados de sua vida e obra. Suas peças mais conhecidas são
"Brejeiro", "Ameno Resedá", "Bambino",
"Dengoso", "Travesso", "Fon Fon",
"Tenebroso".