No 85 - Ano VIII - Janeiro de 2003


Marcelo Amorim e Anna Elisa (Brasília-DF)

Um dia qualquer feito um sábado:  ternos, gravatas, decotes, figurino caprichado.

Foi assim que lotamos um baile de Tango para dançar ao som de um conjunto de bons músicos argentinos.

Talvez nossas expectativas fossem do naipe das grandes orquestras, mas o clima de um baile bonito, cheio, acabou nos contagiando.

De novo a sensação da música nos pés.  De novo adivinhar o acorde do improviso, ou de um arranjo desconhecido.

De novo o prazer de revisitar afinidades com parceiros que, como eu, foram se afastando dos bailes por falta de tudo: de tempo e de motivação, talvez - mas, principalmente, de regularidade, repertório musical condizente, serviços decentes a preços justos,  pisos que não arrebentem nossos joelhos, etc.

Nesse dia, esquecemos tudo isso e milongueamos como há muito não fazíamos.

E lembramos que não se pode ter tudo.

Ainda bem que temos Tango!

(Anônimo – por e-mail)  

 

Cantemos

(Tango)

Letra:  Carlos Pesce e Antonio Polito                                                                   Música:  Angel Villoldo  

Nada me importa de tu amor ¡golpeá no más! (batidas)

el corazón me dijo que tu cariño fue una falsía,

aunque juraste que eras mía.

No llames más, no insistas más, yo te daré (batidas)

el libro del recuerdo, para que guardes las flores del olvido

porque vos lo has querido el esquinazo que te doy.

Fue por tu culpa que he tomado otros caminos sin tino, vidita mía;

jamás pensé que llegaría este momento

que siento la más terrible realidad.

Tu ingratitud me ha hecho sufrir un desencanto si tanto la quería,

mas no te creas que por eso guardo encono,

perdono tu más injusta falsedad.

 

Assim se tece a história

 

Apenas um tango teria bastado a Angel Villoldo para conquistar a fama que ostenta na história do tango:  El choclo, página das mais belas da música portenha e das mais gravadas no mundo inteiro.  Autor sumamente político, foi também o primeiro letrista profissional do gênero.  Além do mais, foi cantor, músico, poeta, jornalista, ator e bailarino.

Com o nome de Angel Gregorio Villoldo Arroyo, nasceu no bairro de Barracas em 16 de fevereiro de 1861.  No início, precisou exercer diversos  ofícios, como  boiadeiro nos matadouros, palhaço num circo, tipógrafo num jornal, por exemplo.  Em  suas  folgas, exibia suas primeiras composições em lojas, cafés e praças de  seu  bairro, em La Boca, Corrales Viejos, San Telmo ou Recoleta.  O centro de Buenos Aires ainda estava distante.

A  fama o tocou tardiamente com sua varinha mágica.  Aconteceu quando, em 1903, Dorita Miramar converteu num tremendo sucesso seu tango El porteñito, no palco da revista Parisiana da Calle Esmeralda.  Naquele mesmo ano, José Luis Roncallo, à frente de seus sexteto de boa música internacional, estreou El choclo, no restaurante El Americano, ainda que camuflado como “dança nativa”:  a categoria do lugar não admitia a inclusão de tangos.  Quando o embuste foi descoberto, Roncallo já não podia mais deixar de tocá-lo – o público o exigia noite após noite. 

Já por aquela época, Villoldo era um dos tanguistas mais populares, e vários de seus tangos estão ligados a curiosos episódios, como El esquinazo.  Sabe-se que foi tal seu sucesso em 1903 que, quando era interpretado no restaurante conhecido como “Lo de Hansen”, a clientela costumava acompanhar os toques do segundo compasso batucando com mãos e pés, que mais tarde tornaram-se golpes de colheres nas xícaras de café e finalmente, usando o que estivesse à mão, copos, pratos, cadeiras.  O local ficava destruído todas as noites, até que o dono resolveu exibir a tabuleta salvadora: “Terminantemente proibida a execução do tango El esquinazo;  pede-se cuidado neste sentido – O proprietário”.  Além das obras mencionadas, sobressaem-se El torito, La caprichosa, ¡Cuidao con los cincuenta!, ¡Soy tremendo!, El criollo más criollo, Yunta brava, El pechador e muitos outros.

Em 14 de outubro de 1919, o músico que tempos antes poderia ter vivido melhor de seus direitos autorais, morreu na miséria. 

Fonte:  Tango Nuestro – Coleção Diario Popular (trad. RM)