No 84 - Ano VIII - Dezembro de 2002


por Lelio Mármora

Abraço-te e juntos caminhamos.  Como mulher, tenho o privilégio de entregar-me, de poder fechar os olhos e deixar-me levar.  Desfruto desse privilégio e começo a usufruir com meus sentidos abertos a todas essas sensações prazerosas. Sinto teu cheiro: viestes dançar perfumado.  Às vezes cheiras a limão, outras a lavanda, e é com voz sussurrante que te faço saber o quanto isso me agrada.  Ouço tua respiração e tomo consciência de sua intensidade e ritmo.  Nesses momentos de proximidade, às vezes, estou tão concentrada em ti e em mim, que chego a sentir nossos corações batendo em uníssono.

  A cadência de teu corpo junto ao meu me chega através de meus olhos fechados e meu espírito sensível se eleva, enquanto me abraço a ti e juntos caminhamos dançando um tango.

Amparo López – Madrid (trad. RM)

Cantemos

(Tango - 1936)

Letra:  Enrique Cadícamo                                                      Música:   Charlo

Ha llegado el momento querida, de ausentarme quién sabe hasta cuando.

En mis labios se asoma temblando una mueca que dice el adiós...

Nuestro amor fue un amor del momento, mi cariño fue un ave de paso,

y tu beso de miel y de raso fue un beso sagrado que no olvidaré.

 

Adiós, muñequita de cobre, muchacha morena, tu amor tropical

exhala un perfume de brisa salobre como una canción sentimental...

La luna de Río se queda para que en las noches le cuentes que yo

pasé por tu lado, viajero incansable, pasé por tu lado y dejé el corazón.

 

Mi destino es andar en la vida...  Hice mal en soñar a tu lado.

Se ha teñido ese cielo rosado al conjuro de darte este adiós...

Perdoná mi promesa, morena, olvidá mi locura de amarte.

Buenos Aires me obliga a dejarte y bajo esos cielos por ti soñaré.

 

 

Assim se tece a história

Charlo

Seu nome completo era Carlos José Pérez.  Foi cantor, músico, pianista, ator e compositor.  Nasceu a 7 de julho de 1905 na província de Buenos Aires e faleceu em 30 de outubro de 1990.  Contribuiu com um estilo emocional porém austero, isento de afetação, de perfeita afinação e cuidadosa musicalidade.  Como compositor, desenvolveu seu grande talento de melodista, criando obras importantes na linha do tango romântico.  Durante toda sua vida cultivaria costumes burgueses, exibindo sua estampa de "dandy". Era o que os portenhos chamavam de "jailaife" (derivado do inglês high-life), de elaborada aparência refinada, cujo estilo deu origem à moda Charlo, que contemplava a indumentária e outros acessórios masculinos. 

Recebeu suas primeiras noções musicais no conservatório provinciano de Puan.  Depois mudou-se para La Plata, moderna capital da província bonairense, célebre pela universidade, avenidas e palácios, onde cursou o secundário e iniciou-se em advocacia, que logo largou.  A mudança da família para a cidade de Buenos Aires, em 1922, deslanchou sua carreira de cantor, que de início se acompanhava ao piano.  Logo debutou em 1924 na Radio Cultura, ocupou o palco do café "El Americano, no bairro de San Cristóbal e iniciou sua carreira de ator-cantor, que logo o transportaria ao cinema, numa revista musical do Teatro de la Comedia.  Nessa ocasião estreou seu primeiro tango, "Pinta brava".  Charlo, de bela voz e postura clássica, foi rapidamente absorvido pela indústria que se movia em torno do tango e da música nativa.  Em 1925, gravou seus primeiros discos de 78 rotações.  Na cidade de Rosario, cantou com as orquestras de Francisco Canaro e Roberto Firpo, duas das mais populares do momento.  Mais tarde, gravou para RCA Victor e Odeón, nesta com as orquestras de Francisco Canaro e Francisco Lomuto.  Sua carreira cinematográfica começou em 1935, com "El alma del bandoneón".  Um ano depois, na película "Puerto nuevo", cantou dois tangos que estão entre os clássicos de seu repertório: "Olvido" e "Yo también soñé".  "Carnaval de antaño", de 1940, é outro dos filmes que estrelou, apesar de nenhum ter feito bilheteria por seus valores cinematográficos.  O mesmo vale para a passagem de Charlo no teatro.

Tal como aconteceu com Gardel, nos anos 30 sua arte foi mudando a cor local por uma textura mais universal.  Esta transformação – que transparece em seu melódico tango Ave de paso, com letra de Enrique Cadícamo, composto no Rio de Janeiro em 1935 - o ajudaria a triunfar em toda a América, Espanha e Portugal.  Suas prolongadas turnês e seus períodos de residência no exterior marcaram sua presença no tango argentino.  Em sua significativa obra de compositor, de rara aptidão para expressar musicalmente o drama humano e o arrebatamento romântico, sobressaem os seguintes temas:  Com letra do cineasta Luis César Amadori, os tangos Cobardía, Rencor e Tormento.  Com José González Castillo, El viejo vals, uma peça de rara perfeição, inigualável na versão do próprio Charlo.  Com José María Contursi, Sin lágrimas.  Com Cátulo Castillo, Sin ella.  Fueye e o formoso vals Tu pálida voz levam versos de Homero Manzi.  E com Cadícamo, além de Ave de paso, destacam-se três tangos de grande valor, mas muito diferentes entre si:  Rondando tu esquina, Viejas alegrías e La barranca.

Fonte:  Todo Tango – trad. RM