Autora:  GRACIELA H. LÓPEZ                                    Tradução:  Raquel Mellman

Sempre tinha sido fiel, até que inevitavelmente, iniciou esse estranho modo de infidelidade.  Também começou a paixão, o regozijo, o suposto doce, ousado ou violento amor.  Todo o amor, todas as formas que poderia imaginar.  Deixava-a surpresa e transbordava esse desejo, essa vontade de ser olhada e cortejada.  Talvez quisesse apenas falar, sentar-se e bater um papo, nada mais.

Mas ela sabia de sobra que eles não poderiam ser amigos.  Não iriam ser amigos porque se atraíam, porque o olhar desse homem a fazia tremer enquanto ela dançava com seu marido.  Observavam-se furtivos, se seguiam com o olhar pela pista e fora dela.  A sedução se instalava entre eles bela e atrativa como pão quente, e sobretudo silenciosa.

Uma incômoda frase lhe martelava a cabeça: “o tango é paixão e devassidão, nunca pode ser família”.  Essa afirmação a preocupava.  Incomodava-a o excessivo respeito com que os homens a saudavam, dizendo: “Como vai, senhora?”.  Armavam um tácito pacto de cavalheiros que a deixava fora de combate.  Ficava excluída do erotismo e olhares masculinos, pelo simples fato de ser “a esposa de Martínez”.  Por sua vez, pensava que seu marido tinha-se tornado atraente para as outras, que assim poderiam brincar e flertar sem maiores conseqüências.  Também sabia que muitas mulheres desejavam estar em seu lugar.  É maravilhoso ter um amor e sentir-se feliz ao lado de alguém.

Acaso você se casou com o homem que queria?  Certo.  Mas o coração humano não é linear e está cheio de artifícios imprevistos, de cansativas contradições, de atitudes bobas e irritantes.  Muda de forma e de decisão inesperadamente.  Sempre procura algo que não existe, se entedia ou se angustia, alfinetando os momentos de felicidade por qualquer motivo.

Agora, como uma brisa refrescante, começou esse insólito jogo.  Era um jogo de regras tácitas e subentendidas.  Procurar o olhar daquele homem, bem apessoado, de terno marrom, só para ter certeza de que estava ali, olhando-a.  Então, sentia-se afagada, e recuperava em seu corpo essa sensação de deleite de quem se sabe bela e admirada.  Recuperava a alegria de viver.  Dançava o tango como nunca, com nova avidez, inventando, desfrutando do abraço de seu marido.  Uma mulher repentinamente mais formosa e sensual, apenas com um olhar.

Mas que olhos!  Olhos calados e brilhantes que falavam de outras terras, de lugares estranhos e peregrinos.  Olhos infinitamente nômades.  Olhos de uma insinuação temerária que a perturbavam cada vez mais.  Prometiam uma relação rápida e freqüente, nascida espontaneamente, fora dos rituais civilizados.  Um amor que aliviava a rotina.  Amor que dava prazer, crescido como uma planta silvestre, sem querer, à beira de seu casamento. 

Sim, é claro que gostava de seu marido, e muito.  Mas o tempo, como sempre, tinha feito estragos naquelas primeiras carícias apaixonadas e comoventes (quando, em que lugar, em qual noite?)  O tempo tinha envelhecido a surpresa, o coração palpitando loucamente a cada encontro.  Foi-se instalando essa exasperante segurança (quando, em que minuto, em que instante?), essa comodidade no espaço e na vida (foi por aquela discussão ou por não discutir o suficiente?)

Se alguma vez brigavam, era previsível que iam se encontrar à noite, na mesma casa, na mesma cama.  Já se tinha estabelecido o plural comum para os dois, esse plural que os juntava e os igualava ao mesmo tempo: “o que vão fazer no domingo?”, “onde vão passar as festas?”  Seu casamento tinha resultado, a princípio, num apego carinhoso, depois num grude e agora, numa argamassa bruta aprovada socialmente, onde já não se sabia de quem eram os gestos, as frases, as piadas.  Começaram a chamá-los “Os Martínez”, e de repente, ela perdeu o feminino de seu nome e seu sobrenome de solteira. 

Os Martínez chegaram ao baile, sentaram-se como o faziam há muito tempo todos os sábados, na mesa quatro.  Por sorte ainda gostavam de tango, mas logo se notava a despreocupação, uma certa distração, o olhar indiferente.  Dançar entre tantos que se procuram, se encontram e se deixam, que têm loucos desejos, que às vezes não têm com quem dançar, que se sentem solitários no meio da multidão, ou inesperadamente felizes, que passam por mil estados de espírito na mesma noite.

Tango passional versus tango seguro e tranqüilo.  Tango casado versus tango amante.  Tango amarrado versus tango livre.  Tango vivo versus tango...  - Meu amor, o que você tem?  Não vê que puseram um Pugliese?  Ela dançava resignada.  Os hábitos dele, repetitivos, transformavam-se num enfadonho ritual.  Se pudesse recusar-se a dançar, mas não o fez.  Preferiu a fuga daqueles olhos que a seguiam.  Preferiu sonhar e seguir covardemente, dançando esses tangos únicos, desse modo inofensivo, insignificante.  Quase uma ofensa para o próprio tango, para ela mesma, para ele.  Preferiu a fantasia, a glória total e poderosa desse olhar que nunca falhava e jamais lhe provocava tédio. 

Era por isso que ali estava o homem de terno marrom?  Por isso se metia nos seus pensamentos, penetrando em suas fantasias, em seus sonhos mais recônditos?  Sentia que o cara se insinuava, mas ela queria apenas que ele a olhasse.  Ter um espectador para renovar sua relação, para sentir outra vez o romance, para apimentar sua vida, olhos que a fitassem continuamente.  Estar como num palco, para não se enfadar, para curtir melhor o sexo, a dança, a comida, o amor.

Queria um homem que não lhe desgrudasse o olhar, que só de olhá-la a tornasse mais fêmea e mais mulher.  Um homem que a desejasse sem nunca poder possuí-la.  Encantava-a cultivar esse desejo íntimo, esse segredo inconfessável.  Brincou de entrar no baile e buscar aqueles olhos que pousavam sobre ela devagar, em todos os momentos livres, durante toda a noite.  Dançar com seu amado e sentir aqueles olhos em seu corpo, em suas nádegas, em sua cintura.  Abraçar um sentindo o ardor do olhar de outro, o desejo mais intenso quanto menos possível de realizar. 

Pensava que em algum momento chegariam a se falar.  Algum dia estariam frente a frente.  Algum dia “Os Martínez” iriam conversar com esse homem na milonga, como com tantos outros.  Tinha certeza de que iriam se entender, os três falariam da vida, das velhas tias que gostavam dos valses.  O homem de terno marrom lhes contaria há quanto tempo dançava e que conhecidos teriam em comum.  Contariam anedotas de sua infância ou talvez falariam de orquestras.  Mas nunca se olhariam de perto, como o faziam de longe.  Nem uma insinuação, o mínimo piscar de olhos.  Como se nada houvesse, se não lhe incendiasse os olhos e o corpo em cada olhar.

Assim estava ela tecendo suas fantasias, distraída e contente, quando esta noite no banheiro do salão escutou a conversa de três desconhecidas.  Falavam dele, do cara do terno marrom.  Ficou intrigada e ciumenta, como se elas possuíssem algo de seu.  - Como ele dança?, quis saber, metendo-se logo na conversa.  - Muito bem, respondeu uma delas.  Se quiser dançar com ele, não o olhe de longe, aproxime-se de sua mesa e fale com ele, pois é cego.

Ela empalideceu, sentiu um suor frio e as pernas fracas.  Tudo ao redor começou a rodar e um segundo antes de desmaiar, escutou:  - Você não sabia?